Visão ampla e objetiva das alterações do Código de Trânsito Brasileiro

Pela Advogada Nêmora Menezes
OAB/RS 97.747
Especialista em Direito de Trânsito

O ano de 2020 foi marcado por uma crise econômica e sanitária sem precedentes, e no meio disso, o executivo encontrou tempo para aprovar a lei 14.071/20, que trouxe uma pequena reforma a este diploma legal, famoso Código de Trânsito Brasileiro.
Ocorre que estas alterações, sendo exatas 59 (cinquenta e nove), não vieram com o intuito de trazer apenas benefícios, e sim criar incertezas e insegurança jurídica. A forma como tais mudanças foram noticiadas, acabaram por trazer informações equivocadas.
E não somente a Lei 14.071/20, como o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) – que publicou Resoluções que têm o condão de padronizar como deve a lei ser aplicada na prática.

Compreende-se que o objetivo é sempre preservar a segurança dos usuários das vias. Mas esse objetivo deve ser alcançado com cautela para que não cause impressões erradas da norma e nem mesmo negligencie informações, afim de se evitar sérios prejuízos e insegurança jurídica na aplicabilidade das novas normas.
O primeiro ponto que cabe analisar, é no que diz respeito à competência, ou seja, permissão do órgão autuador (quem fiscaliza, por ex.PRF) de: autuar, instaurar e julgar também processos de suspensão do direito de dirigir por infrações específicas (auto suspensivas). Mantendo nas mesmas mãos de quem autua, o julgamento da segunda maior penalidade prevista no CTB.
Essa questão, não só traz insegurança, como também acabou permitindo que muitas destas infrações autos suspensivas acabarão não sendo aplicadas, uma vez que muitos dos órgãos atuadores, em específico os órgãos executivos municipais, não poderão aplicar tal penalidade, por não terem as mínimas condições estruturais para tal, sendo, portanto uma violação ao princípio da finalidade da norma, que vai deixar de ser aplicada.

Dito isso, vamos destacar algumas principais mudanças, que afetam a prática:


1-PONTUAÇÃO
Uma das maiores preocupações das alterações foi a penalidade de pontuação, que gerava na regra anterior com 20 (vinte) pontos ao condutor, um processo de suspensão do direito de dirigir.Com a nova lei, houve um escalonamento, apesar de muito se ter noticiado de que somente aos 40 (quarenta) pontos seria instaurado o processo de suspensão, não é uma verdade!
A nova sistemática de pontuações é a seguinte:
-20 pontos: quando houver duas ou mais infrações gravíssimas (7 pontos);
-30 pontos: quando houver uma infração de natureza gravíssima;
-40 pontos: quando NÃO houver nenhuma infração de natureza gravíssima.-40 pontos: independentemente da natureza da infração, se leve, média, grave ou gravíssima para aqueles que exercem atividade remunerada (EAR).
2. EXAME TOXICOLÓGICO
A exigência para a realização deste exame vem desde o ano de 2015, com a inclusão do artigo 148-A pela a Lei 13.103/15, onde se passou a exigir que: deveriam todos os condutores das categorias C,D e E realizar na metade da validade de sua CNH um novo exame, ou seja, CNHs com validade de 5 anos deveriam realizar novo exame com 2 anos e seis meses, e CNHs com validade de 3 anos, com 1 ano e seis meses.
Inclusive vale destacar que essa lei já havia trazido a penalidade de suspensão por 3 (três) meses, condicionada ao levantamento negativo do exame.
Ocorre que, muitos, quiçá sua grande maioria, nunca realizaram o exame intermediário, fato este que fez com que a nova Lei 14.071/20, trouxesse uma infração de trânsito para o descumprimento da norma.
Hoje temos uma infração de trânsito trazida no artigo 165-B, “caput”, a previsão de que para quem conduz veículos que se exija CNHs nas categorias C, D e E, sem a realização do exame intermediário, terá como penalidade a multa de R$ 1.467,35 (mil quatrocentos e sessenta e sete reais e trinta e cinco centavos) e uma suspensão do direito de dirigir por 3 (três) meses.
Além de prever uma penalidade para aqueles que exercem atividade remunerada, que estejam com o exame vencido, serem autuados no momento da renovação, com a mesma penalidade acima mencionada.
Neste sentido, o CONTRAN publicou a Deliberação 222, estabelecendo um prazo para realização do exame, levando em consideração o mês e ano da renovação ou adição de categoria, vejamos como fica:

É preciso deixar claro que, o prazo da tabela acima, não se confunde com as prorrogações de validade da CNH ocorridas em virtude da pandemia, pois o que se leva em consideração é o mês e ano da renovação ou adição.
Também, precisam saber que o exame toxicológico tem uma validade de 90 dias, que significa que podem ser utilizados para varias finalidades, quais sejam: admissão, demissão, renovação, adição, periódico, desde que no momento da realização o motorista solicite ao laboratório credenciado que sejam anotado os códigos referentes as quais finalidades se dispõe.
Precisa-se destacar alguns pontos: o primeiro diz respeito, que não há necessidade de se portar o exame, haja vista, que os laboratórios têm o dever de anotar no RENACH. O segundo ponto é que somente poderão ser autuados, se estiverem conduzindo veículos das categorias C, D e E, não podendo ser autuados quando estiverem conduzindo veículos de categorias A ou B.
3. PRAZO PARA TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE
No que diz respeito a venda de veículos e a obrigatoriedade de fazer a efetiva comunicação de venda para o novo proprietário, a Lei trouxe uma importante informação que deve ser observada, para que não haja imputação de penalidades ao antigo e ao novo proprietário.
Antes o prazo para a transferência era único, de 30 (trinta) dias, com a nova lei houve uma distinção dos prazos.
O novo proprietário terá 30 (trinta) dias contados da data da assinatura do CRV (DUT) para realizar a efetiva transferência, e ao final destes não havendo essa comunicação pelo novo proprietário, terá o antigo proprietário 60 (sessenta) dias para realizar essa comunicação e evitar que seja penalizado por infrações que não cometeu.
O que se pode observar na leitura dos artigos 123,§1º e artigo 134, “caput” do CTB, a penalidade de multa é de natureza média, 4 (quatro) pontos a serem atribuídos ao proprietário do veículo.
4. TRANSPORTE DE CRIANÇAS EM MOTOCICLETAS E VEÍCULOS AUTOMOTORES
Outra mudança diz respeito ao transporte de crianças tanto em motocicletas quanto em veículos automotores.A alteração direcionada ao transporte de crianças em motocicletas, que antes da Lei 14.071/20 era infração transportar crianças menores de 7 (sete) anos, o que mudou, pois passou a ser infração, transportar criança menor de 10 anosem motocicletas, ciclomotores e motonetas, vejamos o que diz a Lei.


Art. 244. Conduzir motocicleta, motoneta ou ciclomotor:
(…)V -transportando criança menor de 10 (dez) anos de idade ou que nãotenha, nas circunstâncias, condições de cuidar da própria segurança:Infração -gravíssima;
Penalidade -multa e suspensão do direito de dirigir (2 a 8 meses) se reincidir (8 a 18 meses). (Grifo nosso)
Medida administrativa -retenção do veículo até regularização erecolhimento do documento de habilitação;

No que diz respeito ao transporte de crianças em veículos automotores, o que mudou foi a publicação da Resolução nº 277, que foi revogada pela nº 819, que veio regulamentar o transporte de crianças com idade inferiora 1 (um) ano e que não tenham atingido 1,45 metros de altura.
A Resolução nº 819, trouxe a exigência do uso de DRC –Dispositivo de retenção para transporte de crianças em veículos automotores, para transportar crianças com idade inferior a 7 (sete) anose 6 (seis) meses.
Sendo que ficam dispensados o uso desses dispositivos, em transporte coletivo de passageiros, aos de aluguel, ao transporte remunerado individual (táxis, motoristas de aplicativos, aos veículos escolares) e aqueles veículos cuja PBT seja superior a 3,5 t.
Destaca-se que só é dispensado aos veículos de transporte remunerado de passageiros, quando em serviço, os quais deverão demonstrar esta condição.
E crianças com idade igual ou maior que 10 (dez) anos, poderão ser transportadas no banco dianteiro, assim como aquelas crianças que têm altura superior a 1,45 metros, não importando neste caso a idade.
Em caso de fiscalização, serão autuados em uma infração de natureza gravíssima, com medida administrativa de retenção.
5. USO DOS FARÓIS
Com a Lei 14.071/20, ainda prezando pela segurança dos usuários das vias, houve mudanças no que diz respeito ao uso de faróis, com regramentos específicos, de quando se deve fazer o seu uso.
A partir de 12/04/2021, devem fazer uso de faróis acesos, veículos que não possuam luz de rodagem, mesmo durante o dia em faixa de pista simples fora do perímetro urbano.
É obrigado usar os faróis acesos à noite, durante o dia quando em túneis, sob chuva ou forte neblina, sendo dispensado seu uso em pista simples em trecho de perímetro urbano.
Veículos de transporte coletivo de passageiros, motocicletas, ciclomotores e motonetas deverão fazer uso da luz baixa tanto à noite quanto de dia, independentemente do tipo de faixa, se dentro ou fora do perímetro urbano.
Com previsão de penalidade de multa de natureza média, com inclusão de 5 (cinco) pontos na CNH.
Estes pontos trazidos são uma pequena parte das mudanças ocorridas em 2021 pela lei 14.071/20, mudanças estas que tornam de suma importância, que todos os motoristas, usuários das vias sempre procurem um especialista para esclarecer qualquer ponto que possa não ter ficado claro.
Mesmo que ocorra a violação da norma, a administração pública tem que zelar pelos princípios constitucionais de ampla defesa e contraditório, além de garantir a segurança jurídica na aplicabilidade das penalidades.

“A Justiça só é feita quando educa. Não quando condena.”
Nathan Macedo

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